Primeiro, as vaias no Couto Pereira. Depois, o prêmio de goleiro revelação do Campeonato Português na temporada 2016/2017. Agora, possível reforço do Porto, segundo a imprensa portuguesa. Vaná, 26 anos, não teve vida fácil até chegar à boa fase atual. Nascido em Planaltina, deu os primeiros passos no futebol nos campos de terra ao lado do Adonir Guimarães, o estádio da cidade. Hoje, é ídolo entre os torcedores do Feirense. Afinal, ele e os companheiros deixaram o time a apenas dois pontos de conseguir uma vaga para a Liga Europa.
As estatísticas do goleiro o colocam como melhor guarda-redes — como os patrícios chamam a posição — do torneio português, segundo o site especializado WhoScored. Ele obteve nota 7,0 em 25 jogos disputados. Ficou à frente inclusive de Ederson, ex-arqueiro do Benfica e vendido ao Manchester City como segundo goleiro mais caro da história, ao custo de R$ 145 milhões, que teve nota 6,85 em 27 aparições.
O brasiliense tem agradado tanto que o jornal português A Bola informou que o nome de Vaná é estudado para substituir Iker Casillas no Porto. O contrato do espanhol com o clube luso termina este ano e o atleta ainda não acionou a cláusula que permite renovar o acordo por mais uma temporada. Vaná desconversa quando perguntado se fica ou sai do time da cidade de Santa Maria da Feira. “Tenho mais um ano de contrato com o Feirense. Até que me digam outra coisa, continuo lá. Mas a gente sabe que é possível alguma coisa”, afirma.
Apenas 15 anos
Vanailson Luciano de Souza Alves, o Vaná, saiu de Planaltina com destino a Colombo, no Paraná, levado pelo empresário Paulo Bonilauri, em junho de 2006. O garoto tinha apenas 15 anos. O agente mantinha jovens atletas na residência treinando com um preparador físico, enquanto tentava encaixá-los na base de alguns clubes. “Meu irmão Vinícius já estava lá. Mas eu só dormi uma noite nessa casa. Comecei no Atlético-PR no outro dia”, conta o goleiro.
Passou também por Irati, Londrina e Operário até as férias do início de 2009, quando desistiu de voltar para o Sul: o pai, Abadia, sofrera um infarto no Distrito Federal e ficou internado por 12 dias na UTI. “Eu pensei que perderia meu pai, e ninguém está pronto para perder ninguém. Minha mãe ficou abalada”, lembra Vaná. E havia o problema do dinheiro. O pai, hoje com 63 anos, era projetista. “O Vinícius disse: ‘Quem vai cuidar das coisas?’. Entendi que ele queria ficar e que eu voltasse”, conta.
Trabalhando pela manhã e treinando à tarde, Vinícius ainda jogou por Brasiliense, Dom Pedro e Cruzeiro. Formou-se em arquitetura e, hoje, atua no escritório de arquitetura da família, com o irmão Vailson, o Tininho, ex-volante de Planaltina, Sobradinho e Santa Maria, que desistiu da bola para se graduar em engenharia.
Idas e vindas
Vaná voltou para o Paraná e ficou até 2010 no rubro-negro paranaense, quando acabou dispensado do clube. Por sorte, Marquinhos Santos, que o treinara no Atlético-PR, era treinador das categorias de base do Coritiba. Assim, as portas estavam abertas. No Coxa, ele ficou no sub-20 até 2011. Naquele ano, de forma curiosa, soube que tinha sido promovido ao elenco principal para a temporada 2012.
“Eu estava em casa de férias. Por curiosidade, entrei no site do Coritiba um dia e fui à página do elenco. Eu estava listado como quarto goleiro do time principal e não sabia. Liguei para o diretor. Ele confirmou que eu tinha subido e ainda me deu uma dura”, relembra Vaná. Novo, não teve oportunidades e seguiu emprestado ao Canoas, do Rio Grande do Sul. O time gaúcho estava na zona de rebaixamento, mas o treinador do Coritiba encarou isso como oportunidade para dar experiência ao seu goleiro.
Logo após o término do Campeonato Gaúcho de 2012, Vaná voltou ao Coritiba. Mais um mês no banco e acabou cedido à Chapecoense. Ficou pouco menos de três meses no time catarinense, quando o Coxa o chamou de volta para substituir um goleiro do elenco que se lesionou. Então, viveu altos e baixos. Chegou a ser chamado de “Vaneuer” — pela facilidade em sair jogando, assim como o titular da seleção alemã, Neuer —, mas também saiu vaiado por causa da decisão do Paranaense de 2015.
O caminho até o Feirense
A torcida do Coxa escolheu Vaná como vilão para a perda do Campeonato Paranaense de 2015. No primeiro jogo da final, contra o Operário, o goleiro falhou nos dois gols dos adversários. Na segunda partida, ele foi bem, mas o Coritiba perdeu por 3 x 0 e ficou com o vice-campeonato. Sem clima, jogou pouco depois. No compromisso seguinte, contra o Fortaleza, pela Copa do Brasil, foi reserva de Bruno Brigido. Acabou negociado com o ABC, de Natal, no início de 2016.
Em seis meses, fez 36 jogos pela equipe potiguar. Nesse tempo, foi titular da equipe campeã estadual sobre o América-RN e continuou a boa fase nos 10 jogos que atuou na campanha do clube na Série C — o clube, ao fim, conseguiu o acesso para a segunda divisão. As boas atuações despertaram a atenção do mercado português. “Um dia, eu estava assistindo a um filme com a minha esposa e o telefone tocou. Um cara com sotaque português perguntou se eu queria jogar em Portugal”, relata Vaná.
O brasiliense não teve mais informações sobre o misterioso clube lusitano interessado em contratá-lo. “Nem sei o nome do cara. Depois, descobri que não era do Feirense”, lembra. “Então, chegou a oferta do Feirense. Meu empresário contou a situação do time, que estava subindo (da segunda para a primeira divisão). Perguntou se eu queria ir e eu disse sim. A língua era a mesma, aí, facilitou. Meu inglês é ‘cansado’”, brinca.
O fã virou exemplo
Vaná deixou saudades e muitas histórias no Rio Grande do Norte. Uma delas, no último jogo do brasiliense pelo ABC, em 23 de julho do ano passado. Um garoto de 5 anos foi aos prantos quando o sistema de som anunciou a saída do titular da meta alvinegra, na despedida dele. Não era uma criança qualquer: João Gabriel é torcedor fanático do clube e costuma entrar em campo com os goleiros da equipe. Ele nasceu com uma má-formação congênita da coluna vertebral, que o torna dependente de uma cadeira de rodas, além de ser portador de hidrocefalia.
“Foi tão natural! Ele estava chorando na minha frente, falando meu nome. Só fui lá pedir para ele não chorar, dizer que voltaria um dia”, salienta Vaná. A transferência, combinada com a comoção pelas lágrimas de João Gabriel, resultou num grande interesse pela história. “No outro dia, foi uma loucura, muita gente querendo fazer matéria. O que, para mim, seria uma coisa simples tomou uma grande proporção. Então nos aproximamos ainda mais”, pondera.
João Gabriel tornou-se um torcedor símbolo do ABC. Os jornalistas portugueses ouviram a história e a repercutiram na Europa. “Fizemos entrevista pela internet. Já mandei minha camisa do Feirense para ele, como eu tinha prometido. Ele cobrou: ‘Não pode ser vermelha, que vermelha é do América-RN’”, lembra Vaná, que continua em contato com o pequeno amigo.
*Estagiário sob a supervisão de Leonardo Meireles