Eles não querem mais ser conhecidos como o exótico grupo de um país tropical que tenta a sorte nos Jogos Olímpicos de Inverno. O time brasileiro de bobsled — formado por seis homens e três mulheres — tenta pela quarta vez uma vaga na competição e nunca esteve tão bem na modalidade. A preparação, segundo a equipe, melhorou em tempo e intensidade. O quarteto masculino, por exemplo, terminou 2016 em 17º no ranking mundial, uma colocação histórica. O otimismo é tão grande que a classificação para PyeongChang, na Coreia do Sul — sede da competição — é considerada como certa.
“Pode parecer pretensão demais falar isso, mas já contamos com a vaga”, afirma José Eduardo Moraes, técnico do Time Brasil. O quarteto e a dupla masculinos e a dupla feminina começam a disputar neste sábado (4/11), em Whistler, no Canadá, as duas primeiras etapas da Copa América de bobsled. Depois, vão para Calgary (Canadá), Park City (Estados Unidos) e Placid Lake (EUA), cada uma com duas etapas. Os torneios servem para acumular pontos no ranking de classificação para os Jogos Olímpicos. E os brasileiros têm chances nas três categorias, muito por causa da preparação de quatro meses feita no Núcleo de Alto Rendimento de São Paulo (NAR-SP). Assim, o país poderá participar da quarta olimpíada. Antes, disputou Salt Lake City (2002), Turim (2006) e Sochi (2014) — na última, como o quarteto masculino e a dupla feminina.
“Essa parceria feita entre a confederação e o NAR se tornou essencial para a nossa preparação”, conta Edson Bindilatti, piloto brasileiro. “Antes, era mais ou menos cada um por si. Todos faziam treinamentos sozinhos, em suas cidades, e só se encontravam às vésperas das competições. Agora, fizemos treinamentos específicos para velocidade e trabalho de equipe”, conta José Eduardo, o primeiro técnico brasileiro a fazer esse acompanhamento — em geral, a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG) chamava treinadores estrangeiros.
“Hoje, somos um time muito bem treinado. Com o nosso desempenho, mostramos que o Brasil é uma realidade no bobsled. Somos respeitados como uma equipe competitiva”, orgulha-se Edson. Segundo o piloto, esportivamente, os atletas brasileiros estão em pé de igualdade com o resto do mundo. “A equipe brasileira de bobsled, hoje, tem um método de trabalho”, garante Edson. O desempenho só se desequilibra quando o assunto é equipamento e tecnologia.
Made in Brasil
Mas, até nisso, a criatividade brasileira consegue dar um jeito. Para que o treino fosse completo em território nacional, um dos integrantes da equipe, que é serralheiro, construiu uma pista de push — etapa fundamental na modalidade, que consiste em empurrar o trenó. Odirlei Carlos Pessoni, conhecido como Doutor Buginganga pelos companheiros exatamente por criar equipamentos para melhorar o rendimento do time. “Esse início de corrida e impulsão do trenó é a mais importante. Então, ter esse equipamento foi o grande diferencial para a temporada”, acredita o treinador. A aposta maior, no entanto, fica na parte de entrosamento. “A gente construiu um time que, além de bem preparado fisicamente, é uma família. Muitas vezes, não vemos isso em outras equipes”, conclui Edson Bindilatti.
A bronca do treinador
A construção de uma pista de push por um dos atletas brasileiros é a senha para que o treinador José Eduardo Moraes teorize sobre a capacidade que os esportistas daqui têm para se dar bem em qualquer modalidade — mesmo no bobsled e outros que só podem ser feitos no gelo e na neve. “Esse é o grande diferencial de todos os atletas brasileiros: a gente se adapta, tem jogo de cintura”, aponta José Eduardo, que aproveita para criticar a constante falta de apoio a qualquer esporte que não seja o futebol. Para ele, há uma falsa cultura de que todo mundo tem a chance de conseguir fama e fortuna com a modalidade de Neymar e Gabriel Jesus. “O Brasil é muito grande, nem todo mundo vai conseguir jogar futebol e vencer. O Brasil, definitivamente, não é o país do futebol”.
Para ele, a dinâmica do “se vira” funciona muito bem até certo ponto. Sim, o Brasil consegue vagas em mundiais e olimpíadas de inverno, mesmo sem tradição, porque o atleta daqui tem gana e vontade de fazer acontecer. “Mas, se um dia, você quiser ser competitivo, isso precisa ser diferente. É preciso mais apoio, mais estrutura”, aponta. “As pessoas podem pensar que um atleta é profissional porque ganha dinheiro com o esporte dele, mas ser profissional não é só ganhar dinheiro: é contar com toda uma estrutura para ser o melhor no que faz”, ensina José Eduardo.
Uma está garantida
Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018 serão realizados em PyeongChang, na Coreia do Sul, de 9 a 25 de fevereiro. Apesar de não ser um país com gelo e neve, o Brasil tem cada vez mais classificado atletas e equipes para competições do tipo. E em território sul-coreano, pelo menos uma brasileira está garantida: Isadora Williams conseguiu a vaga na patinação artística, durante Troféu Nebelhorn, na Alemanha, no fim de setembro.
O time brasileiro no bobsled
Masculino
Edson Bindilatti (piloto)
Odirlei Carlos Pessoni
Erick Vianna
Rafael Souza
Edson Martins
Denis Parreiras
Feminino
Sally Mayara (pilota)
Jacqueline Silva
Thamara Rangel
Treinador
José Eduardo Moraes