A base da equipe que ganhou dois ouros olímpicos para o vôlei brasileiro feminino terá, enfim, de passar por uma renovação mais profunda. Estrelas que se eternizaram na história da modalidade — como as bicampeãs olímpicas Sheilla e Fabiana Claudino — anunciaram que aposentaram a camisa verde-amarela após os Jogos Olímpicos do Rio. Com a chegada dos play-offs da Superliga, que antecede o ciclo olímpico da edição de Tóquio-2020, o Correio lista quem vem aproveitando a principal competição nacional para concorrer às sonhadas vagas. A reportagem também ouviu treinadores com experiência em seleções.
“Não é simples substituir. Não sei exatamente quem vai sair ou não. Quando falamos de grandes jogadoras da Seleção, poxa, quem vai substituir a Sheilla?”, indaga Bernardinho, um dos mais vitoriosos técnicos de vôlei do mundo, com seis medalhas olímpicas entre 1994 e 2016.
Sheilla ostenta 16 medalhas conquistadas com o Brasil nos principais campeonatos mundiais — desde sete ouros em Grand Prix ao bicampeonato nos Jogos Olímpicos, considerando também Copa do Mundo e Campeonato Mundial. Efetivamente na Seleção desde 2005, a oposta ainda foi eleita MVP (jogadora mais valiosa, na sigla em inglês), do GP de 2006 e de 2009 e da final olímpica de Pequim-2008.
Na Seleção Brasileira levada por José Roberto Guimarães para as Olimpíadas do Rio — e eliminada nas quartas de final —, apenas Sheilla era oposta de origem. A outra jogadora da posição cotada para ir aos Jogos era a brasiliense Tandara. Ela foi uma das últimas cortadas antes do evento porque o treinador apostou na versatilidade da ponteira Natália. Prestes a iniciar um novo ciclo olímpico, a atleta aparece como a principal candidata à vaga deixada por Sheilla.
Aos 28 anos, Tandara retomou a boa forma física que perdeu em função da gravidez no ano que antecedeu a edição do Rio — a filha, Maria Clara, nasceu em setembro de 2016. No Osasco, a campeã olímpica em Londres-2012 é a principal arma de ataque do time classificado na vice-liderança para a fase eliminatória da Superliga. De quebra, a oposta de origem exerceu função de ponteira nesta temporada e foi a quarta maior pontuadora, com 303 pontos. Na própria equipe, porém, há uma concorrente tida como promessa à vaga. Trata-se da jovem Ana Paula Borgo, 23 anos, que disputou o Montreux Volleys Masters, em 2016, pela Seleção Brasileira B, sob comando do técnico Wagão.
Na mesma pegada de Tandara está a catarinense Rosamaria, 22 anos. Terceira maior pontuadora da Superliga, com 322 pontos, ela também mudou de posição: de oposta passou a ponteira, sob orientação de Paulo Coco, técnico do Minas. O comandante não esconde as pretensões em relação à atleta. “Eu a mudei para ponta porque sei que isso abre um leque importante de possibilidades para a carreira dela. Ela tem outros objetivos… De Seleção Brasileira”, observa Coco, também assistente técnico de José Roberto Guimarães na Seleção.
Outra forte candidata estreitou os vínculos com Zé Roberto nos últimos anos. Desde 2013, a oposta do Rio de Janeiro Monique Pavão, 30 anos, é lembrada pelo treinador tricampeão olímpico e chegou a ser convocada para o grupo que se preparava para o Grand Prix e, depois, para a Rio-2016. Mas pediu dispensa da Seleção em junho, por “motivos pessoais”. Entre as conhecidas de Zé que se destacaram nesta Superliga está, ainda, Bárbara Bruch, do Pinheiros. Aos 29 anos, a medalhista de prata no Pan-Americano de Toronto-2015 foi a segunda maior pontuadora da primeira fase desta Superliga, com 329 pontos.
Em paralelo ao desempenho na principal competição nacional, a comissão técnica do Brasil atua na base. “Já vínhamos, ao longo dos anos, trabalhando com seleção de jovens. E, desde 2013, começamos com a categoria sub-23, que faz uma transição entre as juvenis e as adultas”, pontua Paulo Coco. Rosamaria é um dos frutos desse trabalho. O outro é Lorenne, oposta do Sesi-SP. No time que terminou a fase classificatória da Superliga na penúltima colocação — com apenas duas vitórias em 22 partidas —, a jogadora, de 1,85 metro de altura e apenas 21 anos, foi a principal pontuadora da Superliga, com 330 pontos.
Vaga aberta pela capitã
Quem também se despediu da Seleção após a Rio-2016 foi Fabiana. A então capitã somava 15 anos de serviço à equipe nacional. Ao Correio, ela reforçou que não pretende mais defender o país: “Estou com a minha decisão firme e forte. O Zé (José Roberto Guimarães) me procurou depois das Olimpíadas. Sei do meu papel ali dentro e sei que fisicamente ainda posso ajudar muito a Seleção, mas preciso de um tempo para mim”, diz.
Enquanto ela vai embora, aparecem nomes cotados para a vaga. “Para o lugar da Fabiana Claudino, vejo algumas jogadoras com potencial”, comenta Bernardinho. Vivian e Roberta, centrais do Brasília Vôlei, estão entre as benquistas pelo treinador. Ambas fizeram grande campanha na Superliga com a equipe brasiliense, classificada na sexta colocação para os play-offs da Superliga. Vivian, aos 36 anos, fez 266 pontos, e Roberta, 31 anos, marcou 226 pontos.
No Osasco, classificado na vice-liderança, Ana Beatriz Correa consegue cumprir a função de assumir o meio de rede após a saída das campeãs olímpicas Thaísa e Adenízia. Aos 25 anos, a jogadora, de 1,87m, pontuou 251 vezes. Ela acumula passagens pela base da Seleção Brasileira e é vista com “potencial muito grande” por Bernardinho. A mesma expectativa, o ex-treinador da Seleção masculina atribuiu a Mara Leão, 25 anos, do Minas. Com 1,90m, ela integrou a Seleção sub-23 em 2013 e a equipe principal que levou o bronze no Grand Prix de 2015. Na Superliga, fez 70 pontos de bloqueio e 99 de ataque.
Ana Carolina da Silva, 25 anos, do Rio de Janeiro , também cotada para ganhar espaço na Seleção. A atleta, de 1,83m, foi convocada pela primeira vez por Zé Roberto em 2014, para disputar o Montreux Volley Masters. Na ocasião, o Brasil terminou em quinto lugar, e Carol foi eleita a melhor bloqueadora da competição.
À frente na fila pela vaga deixada por Fabiana, no entanto, está a veterana Juciely, do Rio. Aos 36 anos, ela esteve com a equipe que disputou os Jogos Olímpicos do Rio e segue atuando em alto nível.
Dificuldade na renovação
Assistente técnico de José Roberto Guimarães na Seleção feminina, Paulo Coco, comandante do Minas, acredita que haverá uma certa dificuldade na renovação da equipe nacional. “Vamos sofrer um pouco no início, mas acredito que existam jogadoras de talento e que, com trabalho, possamos continuar mantendo o Brasil entre as principais forças mundiais”, ressalta.
Assistente técnico de José Roberto Guimarães na Seleção feminina, Paulo Coco, comandante do Minas, acredita que haverá uma certa dificuldade na renovação da equipe nacional. “Vamos sofrer um pouco no início, mas acredito que existam jogadoras de talento e que, com trabalho, possamos continuar mantendo o Brasil entre as principais forças mundiais”, ressalta.
Nesse cenário, a Superliga figura como uma das principais vitrines para as atletas que aspiram a Seleção. É o que considera também Marcos Kwiek, técnico do Bauru e da seleção dominicana desde 2008, após ter sido auxiliar de Zé Roberto na Seleção de 2003 a 2007. “Existem jogadoras bem interessantes nesta Superliga. Algumas jovens estão tendo oportunidade de atuar. Mesmo que o nível de Superliga não seja o mesmo do internacional, é complicado. Este é um ano interessante para colocá-las para rodar, para ganharem experiência”, explica.
Por mais que seja árduo substituir ídolos, se trata de uma tarefa necessária, como reconhece Bernardinho, ex-técnico da Seleção masculina. “As pessoas não são eternas e é preciso pensar nisso, como nós fizemos lá atrás (na masculina) de ir vislumbrando novas possibilidades”, afirma. “O mais importante é haver um mix, uma certa combinação de experiência das jogadoras veteranas com as mais jovens. Não pode ser uma revolução, tem de ser uma renovação.”