Rio de Janeiro — Se a Copa é uma espécie de passarela das tendências táticas do futebol, o esquema 4-2-3-1 está definitivamente na moda, sem duplas de ataque. Pela primeira vez, o esquema pode terminar o Mundial como a configuração predileta dos treinadores. O
Correio teve acesso ao relatório elaborado religiosamente a cada quatro anos, desde 1990, pelo observador técnico da Seleção em oito edições do torneio da Fifa, Jairo dos Santos. Espião de Carlos Alberto Parreira no tetra, em 1994, e de Luiz Felipe Scolari, no penta, em 2002, ele analisou as 56 partidas disputadas até as oitavas de final. Das 32 seleções, 14, entre elas o Brasil, adotaram o esquema que consagrou a Espanha campeã mundial há quatro anos, na África do Sul. O documento costuma servir de base para as palestra de Parreira no Fórum Internacional do Futebol, o Footecon, realizado anualmente, em dezembro, na Cidade Maravilhosa.
Em segundo lugar no ranking aparece o 4-3-3. O modelo foi usado por seis seleções neste Mundial. Duas delas — França e Alemanha — serão protagonistas do duelo mais aguardado das quartas de final, nesta sexta-feira, às 13h, no Maracanã. O levantamento aponta que, até agora, 11 esquemas diferentes foram colocados na vitrine nos gramados brasileiros. Isso sem contar as variações durante o decorrer das partidas.
Pontas
Para se ter uma ideia do crescimento do 4-2-3-1, apenas a Espanha utilizou o formato na Copa do Mundo de 2002, realizada no Japão e na Coreia do Sul. Quatro anos depois, Portugal e Costa do Marfim toparam ser cobaias. Em 2010, na África do Sul, o 4-2-3-1 teve a adesão de oito treinadores e só perdeu para o tradicional 4-4-2 (10). Em 2014, o esquema 4-2-3-1 foi usado por quase metade das seleções e o 4-4-2 é quase uma relíquia. Estados Unidos, Rússia e Colômbia insistiram no formato. Adversária do Brasil nas quartas de final, a Colômbia, de José Pékerman, tenta reinventar o esquema batido e o rebatiza de 4-2-2-2, com dois meias criativos — James Rodríguez e Cuadrado — e duas referências na área: Jackson Martínez e Gutierrez.
Uma das ameaças ao 4-2-3-1 é o 4-3-3. O sistema começou a dar sinais de que seria aposentado na Copa de 1990, quando apenas a Áustria ousou adotá-lo. Em 1994, o desenho desapareceu das pranchetas. À época, houve quem decretasse o fim dos chamados pontas. O México tentou preservar o formato em 1998, mas a tentativa foi um fracasso e voltou a dar sinais de extinção em 2002. Alemanha, Suécia e Trinidad e Tobago deram início à retomada em 2006. Argentina, Dinamarca, Camarões, Paraguai, Portugal e Espanha repaginaram em 2010, e três campeões mundiais apostam no sistema em 2014: França, Alemanha e Argentina. Além do trio, Camarões, Portugal e Nigéria também organizaram suas seleções no 4-3-3.
“O sistema 4-3-3 é um bom vinho antigo com uma garrafa nova”, brinca Jairo dos Santos. O esquema sofreu uma espécie de upgrade. Marca a volta dos chamados pontas com uma nova obrigação: recuar e defender. No velho 4-3-3, a missão dos pontas era apenas atacar. O trabalho sujo ficava a cargo dos laterais. No manual moderno, o requisito para que a tática funcione é voltar para fechar espaços, o que não tem ocorrido em muitos casos, provocando uma enxurrada de gols.
Além do título do 4-2-3-1 e da plástica sofrida pelo 4-3-3, a volta da linha de três defensores dá mostras de que está querendo sair do baú. Holanda e Chile, por exemplo, armaram seus times no 3-4-1-2. Outra tendência — esta para os amantes da retranca — é arquitetar a defesa com cinco jogadores. Argentina e Itália apostaram na fase de grupos no 5-3-2. A Costa Rica, sensação da Copa, dificilmente abre mão do 5-4-1.
Confira quais os esquemas usados até aqui pelas 32 seleções que disputam a Copa do Mundo:(clique na imagem para ampliar)
Histórico: Os sistemas táticos mais usados nas seis mundiais anteriores
1990: 3-5-2
14 das 24 seleções
Alemanha, Argentina, Brasil, Espanha, Itália, Inglaterra, Escócia, Bélgica, Tchecoslováquia, Romênia, Iugoslávia, Estados Unidos, Costa Rica e Camarões.
Como jogou a campeã?
Alemanha (3-5-2): Ilgner; Augenthaler, Buchwald e Kohler; Berthold, Hassler, Mathaaus, Litibarski e Brehme; Voller e Klinsmann. Técnico: Franz Beckenbauer
1994: 4-4-2
11 das 24 seleções
Brasil, Itália, Suécia, Nigéria, Suíça, Arábia Saudita, Colômbia, Estados Unidos, Marrocos, México e Camarões.
Como jogou o campeão?
Brasil (4-4-2): Taffarel; Jorginho, Aldair, Márcio Santos e Branco; Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho; Bebeto e Romário. Técnico: Carlos Alberto Parreira
1998: 3-5-2
19 das 32 seleções
Escócia, Croácia, Alemanha, Inglaterra, Áustria, Jamaica, Camarões, Tunísia, Romênia, Nigéria, Itália, Coreia do Sul, Japão, Argentina, Bulgária, Paraguai, Chile, Marrocos e Bélgica.
Como jogou a campeã?
França (4-4-2): Barthez; Thuram, Desailly, Blanc e Lizarazu; Deschamps, Petit, Karembeu e Zidane; Djorkaeff e Guivarch. Técnico: Aimé Jacquet
2002: 4-4-2
10 das 32 seleções
Inglaterra, Suécia, Portugal, Bélgica, Equador, Turquia, Paraguai, África do Sul, Dinamarca, Irlanda e Nigéria
Como jogou o campeão?
Brasil (3-5-2 e 3-4-2-1): Marcos; Lúcio, Edmílson e Roque Júnior; Cafu, Kléberson, Gilberto Silva e Roberto Carlos; Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo; Ronaldo. Técnico: Luiz Felipe Scolari
2006: 4-4-2
8 das 32 seleções
Inglaterra, Ucrânia, Equador, Paraguai, Polônia, Tunísia, Togo e Sérvia e Montenegro
Como jogou a campeã?
Itália (4-4-2 e 4-4-1-1): Buffon; Zambrotta, Cannavaro, Materazzi e Grosso; Gattuso, Pirlo Camoranesi e Perrotta; Totti
e Toni. Técnico: Marcello Lippi
2010: 4-4-2
10 das 32 seleções
Uruguai, México, África do Sul, Nigéria, Estados Unidos, Inglaterra, Eslovênia, Eslováquia, Espanha e Suíça
Como jogou a campeã?
Espanha (4-2-3-1, 4-3-3 e 4-4-2): Casillas; Sergio Ramos, Piqué, Puyol e Capdevilla; Busquets e Xabi Alonso; Pedro, Xavi e Iniesta; Villa. Técnico: Vicente del Bosque
Influência da Eurocopa
O sucesso do 4-2-3-1 na Copa de 2014 é um efeito imediato da Eurocopa de 2012, realizada na Ucrânia e na Polônia. Há dois anos, oito das 16 seleções adotaram o esquema, entre elas, a campeã Espanha. Alemanha, Holanda, República Tcheca, Suécia, Dinamarca, Polônia e Grécia também compraram a moda. Um legado do torneio continental ignorado até o momento em solo brasileiro é o 4-6-0 da Espanha. No título europeu, Vicente del Bosque abriu mão de um centroavante, e Fàbregas fez o papel de falso 9 no histórico 4 x 0 sobre a Itália na final.
Zé da Galera No auge dos pontas, o personagem Zé da Galera, de Jô Soares, encheu tanto o saco do técnico da Seleção Brasileira que ganhou as ruas: “Bota ponta, Telê”, em relação ao esquema tático da Copa do Mundo de 1982, na Espanha.