O baiano nasceu prematuro em um parto de gêmeos. O irmão morreu horas depois do procedimento. Samuel saiu com sequelas. As consequências só foram notadas aos 7 meses, quando a mãe percebeu que o filho não tinha a mesma coordenação motora de crianças da mesma idade. O diagnóstico de paralisia cerebral com quadro espástico grave foi recebido em Brasília. Samuel não possui os movimentos completos das pernas e tem movimentação parcial do braço esquerdo. Nascido e criado em Barreiras (BA), a 650km da capital federal, o garoto costumava vir para a cidade em busca de tratamento.
Apesar das dificuldades, a deficiência não foi um problema até chegar na juventude. “Só na adolescência, eu senti um pouco o peso de ter uma deficiência”, desabafa. Samuel conta que via amigos com namoradas e achava que não seria capaz das mesmas conquistas. “Comecei a ver minha vida de forma diferente e a ter um preconceito comigo mesmo”, conta. Com depressão, ficou cinco meses parado e perdeu os movimentos que havia conquistado com fisioterapia e esforço. “Quando eu me toquei de que estava perdendo a capacidade de andar sem a ajuda de ninguém, resolvi voltar a me movimentar”.
O desafio de participar de uma prova de triatlo foi ideia do próprio Samuel. “Todos os anos, eu me proponho algum desafio. Como estava confortável na corrida, pensei em fazer alguma coisa diferente”. Unir natação, ciclismo e corrida se tornou um suplício. Nadar, modalidade que sempre foi recomendada a ele, virou a parte mais complicada do treinamento. “Meu problema era de técnica mesmo. Nunca consegui evoluir”, aponta. A solução foi procurar um profissional que o pudesse ajudar.
Treino, treino, treino
Samuel entrou em contato com o professor de educação física e natação Thiago Sobutka, 38 anos, pelo Facebook. Thiago aceitou o desafio e os dois passaram a treinar juntos desde setembro de 2016. O professor, que também é atleta de triatlo, reconhece que, no início, duvidou do sucesso da empreitada. “Quando eu cheguei à piscina, vi que Samuel não saía do lugar. Do jeito que ele caía na água, afundava”, relembra. Foi o próprio aluno que não deixou o mestre desistir.
Os treinos e a dedicação de quatro horas por dia ao esporte fizeram com que Samuel antecipasse o sonho de participar de uma competição de triatlo. “A meta que a gente estabeleceu era competir só em setembro, mas como ele está conseguindo fazer as distâncias, antecipamos”, ressalta Thiago Sobutka, que estará ao lado de Samuel na prova, como guia. No simulado realizado no último fim de semana, o professor notou que a principal dificuldade veio da insegurança psicológica durante a natação em águas abertas.
“É comum. Normalmente, o atleta pratica na piscina e, quando vai nadar no lago ou no mar, sente essa insegurança”, conta. Samuel não esconde o receio. “Dá um medo de não colocar o pé no chão, como é na piscina”, define. A ideia é fazer o tempo um pouco mais rápido do que o alcançado durante a simulação, de 3h20. Agora, o desafio é controlar a ansiedade e a expectativa para fazer uma boa prova. “Para mim, o principal é completar a provar e levar essa ideia da inclusão”.
O professor está confiante em um bom resultado. Impressionado, Thiago define a persistência como uma das principais características de Samuel. “Devido às dificuldades físicas, ele tem que fazer um esforço extra nos treinamentos, mas isso nunca foi um problema”, explica, ressaltando que aprendeu muito com o pupilo. “Eu brinco com o Samuel: eu ensino a técnica e ele me ensina como não desistir dos nossos sonhos”, completa.
Depoimento

Tive uma infância incrível, mas na adolescência comecei a ter problemas comigo mesmo, não me amava e não me aceitava. Via meus amigos com namoradinhas, e não me sentia capaz de conseguir aquilo. Com todo esse desgosto pela vida, abandonei minhas fisioterapias, e todo meu tratamento. Fui ao fundo do poço em seis meses. Fiquei de cama por três dias, mal levantava para tomar banho, com encurtamento muscular, perda de músculos e reflexos. Vi que aquele estilo de vida ia me levar à depressão e me fazer ficar numa cama. Reagi. Foi aí que o esporte teve papel fundamental na minha vida: comecei academia, caminhadas e retomei a fisioterapia.
Depois de um tempo, me deram uma ideia bem louca de transformar as caminhadas em corridas, e eu aceitei. Depois de pegar muita experiência como corredor, trabalhando em todos os aspectos minha consciência corporal, em agosto de 2016, me desafiei, e quis começar a treinar para fazer um triatlo. Então, fui em busca de profissionais para me ajudar nesse projeto. Meu planejamento inicial era de fazer uma prova em setembro de 2017, mas com o andamento muito positivo dos treinos e um convite especial da galera do Challenge Cerrado, decidi antecipar um pouquinho esse planejamento.
Escolhi o triatlo porque acho um desafio imenso, e essa harmonia e equilíbrio que o esporte exige fazem com que transcenda para nossa vida pessoal também. Digo que essa modalidade me tornou não só um atleta mais forte, mas evolui como pessoa em um todo. A ideia ainda é fazer um triatlo olímpico. Talvez em 2018, mas não tenho tanta pressa porque sei o caminho que devo seguir, e sei que vou conseguir isso!”
Samuel Bortolin, triatleta e palestrante motivacional