Futebol Feminino

DESAFIOS

Do projeto social ao alto rendimento: Minas/Icesp encara desafios de um grande time

Após assegurar a permanência na elite nacional na próxima temporada, equipe do DF busca fontes de financiamento

postado em 20/08/2019 14:20

<i>(Foto: David Pena/Minas Icesp)</i>
Da frustração pelas dificuldades em seguir carreira como jogadora de futebol surgiu a iniciativa de organizar um projeto social. Assim, as irmãs Nayeri e Nayara Albuquerque montaram uma equipe feminina em Brasília. “Colocamos em prática esse sonho em 2012 para tentar mudar a falta de valorização da modalidade”, conta Nayeri, uma das presidentes do Minas/Icesp, time que confirmou a permanência na elite nacional. A ex-atleta comemora o feito conquistado no início deste mês, mas mantém os pés no chão diante do desafio de profissionalizar o grupo, cogitando até se juntar a um clube masculino do DF.

“Nosso projeto era social no início, mas começamos a jogar competições e a ganhar. Estamos passando do amador para o profissional”, aponta Nayeri. Tricampeão candango feminino, o Minas/Icesp levantou a taça da Série A2 do Campeonato Brasileiro na estreia da equipe em um torneio nacional em 2018. O resultado garantiu o acesso à elite. Desde então, a rotina das atletas tem mudado exponencialmente. Antes, treinavam três vezes na semana em quadras de futsal, às 22h, enquanto o trabalho no gramado ocorria apenas aos sábados, às 15h, e nos domingos livres. Neste ano, o time passou a treinar no campo de segunda-feira a sábado, das 15h às 18h.

Para 2020, o objetivo das Minas de Brasília, como são chamadas, é ampliar os treinos para dois turnos por dia. Não há outro caminho diante das perspectivas de crescimento embaladas pela repercussão da Copa do Mundo da França, disputada em junho e julho. A reviravolta, porém, começou no início do ano, quando os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro masculino passaram a ser obrigados a organizar times femininos adultos e de base. Além da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que adotou a regra para a primeira divisão, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) fez o mesmo para a Copa Libertadores.

Tradição
 
Um dos reflexos da obrigatoriedade foi uma invasão de camisas tradicionais do futebol masculino na segunda divisão do Campeonato Brasileiro feminino em 2019: dez times, dos quais São Paulo, Cruzeiro, Palmeiras e Grêmio garantiram o acesso à elite. Os rumores apontam para investimentos maiores nos elencos para a próxima temporada, o que promete elevar o nível do torneio. A equipe são-paulina, que decide o título da Série A2 contra o Cruzeiro no próximo domingo, repatriou a atacante Cristiane, da Seleção Brasileira, quando o clube voltou a ter um time de mulheres, em janeiro.

Dos 20 clubes atualmente na elite do futebol masculino brasileiro, sete (Santos, Flamengo, Corinthians, Ceará, Grêmio, Internacional e Vasco) contavam com equipes femininas estruturadas antes do início de 2019, quando a exigência passou a valer. Outras agremiações optaram por estabelecer parcerias com times já consolidados entre as mulheres. É o caso bem-sucedido do Avaí, que se juntou ao Kindermann, campeão da Copa do Brasil feminina de 2015, classificando-se em terceiro lugar para a fase mata-mata. O Flamengo também tem o representante feminino em formato de parceria, mas com a Marinha do Brasil.

“O futebol feminino ainda não ganha dinheiro por revelar talentos, muitas atletas não têm vínculo profissional. Mas essa transição está começando e vai ser importante para o mercado”
Nayeri Albuquerque, dirigente do Minas/Icesp


Linha do tempo

2012
» Fundação do time de futebol
» Parcerias com o Minas Tênis Clube e Centro Universitário Icesp

2016
» Expansão para o futsal
» Campeão da Conferência Centro-Oeste da Liga do Desporto Universitário (LDU)

2017
» Parceria também com o colégio Certo
» Bronze dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs)
» Vice-campeão da fase final da LDU
» Campeão da Conferência Centro-Oeste da LDU

2018
» Campeão na estreia do time no Campeonato Brasileiro A2
» Campeão da Conferência Centro-Oeste da LDU

2019
» Estreia no Campeonato Brasileiro A1 (11ª posição)
» Jogou e sediou um grupo do primeiro Campeonato Brasileiro Sub-18
 
 

Estudos para viabilizar parcerias

Diante da formação de times que chegam com um potencial de investimento grande, pelo peso das camisas tradicionais do masculino, o Minas não descarta a possibilidade de estabelecer uma parceria no mesmo estilo. “Muitas pessoas estão sondando a gente, estamos com algo em vista, mas com um clube de Brasília. Estamos pensando em fazer uma parceria desde que não perca a identidade do projeto”, afirmou Nayeri, sem citar nomes.

O Gama tem time feminino há sete anos sob comando do técnico Célio Lino, que refuta a possibilidade: “A ideia do nosso time é trazer jogadoras mais experientes para o Candangão (previsto para outubro), visando conquistar a vaga no Brasileiro A2 em 2020”. A conversa do Minas foi com a diretora do Brasiliense, Luíza Estevão, conforme confirmou uma fonte do clube de Taguatinga. Aconteceram, no entanto, casos não promissores nesse sentido. A fusão do Athlético-PR com o Foz Cataratas, campeão da Copa do Brasil em 2011, resultou neste ano no rebaixamento para a segunda divisão, após terminar na 14ª posição do Brasileirão A1.

As dificuldades financeiras e de estrutura para arcar com os custos de uma equipe profissional são os principais desafios do Minas/Icesp no momento. Para 2020, o objetivo é atrair instituições com histórico de incentivo ao esporte de alto rendimento no DF, como o Banco de Brasília (BRB) e a Terracap. As duas entidades foram patrocinadoras master de equipes de vôlei e de basquete da capital federal em competições nacionais.

Com o BRB, Nayeri participou de reunião em que ficou apalavrado um acordo, caso o time se mantivesse na primeira divisão. Resta apresentar formalmente o projeto e oficializá-lo. “Tivemos um apoio de R$ 75 mil do BRB no segundo semestre do ano passado, divididos em três parcelas, pelo edital esportivo e cultural. Mas o direcionamento do nosso projeto mudou, não é mais social”, explica Nayeri. Agora, o foco é o alto rendimento. A expectativa, então, é de que os valores se multipliquem para que o time chegue a um orçamento de R$ 100 mil a R$ 120 mil por mês em 2020.

“Nossa intenção é manter a base do elenco e trazer reforços pontuais, além de remunerar toda a comissão técnica e dar uma ajuda de custo às atletas”, almeja. Atualmente, quase metade das jogadoras do futebol de campo adulto recebe bolsa integral na faculdade ou remuneração financeira — uma “ajuda de custo”, como Nayeri prefere chamar. Além das 25 jogadoras do elenco principal, entre 20 e 25 anos, o Minas conta com 60 meninas nas categorias de base e 20 profissionais da comissão técnica e do grupo administrativo.
 
Orçamento mensal pretendido pelo Minas/Icesp para temporada 2020: R$ 120 mil

 
Fragilidade nos contratos das jogadoras

Uma forma de gerar renda no futuro pode ser a venda de atletas formadas no clube. A equipe candanga conta com três categorias de base (sub-15, sub-17 e sub-20) e foi responsável por sediar um dos grupos do Brasileiro feminino sub-20, em julho. Nayeri, contudo, explica que a modalidade está iniciando a relação comercial das atletas no Brasil.

Revelada no Minas, Victória Albuquerque, 21 anos, foi camisa 10 da Seleção sub-20 no Mundial de 2018. Mas o time que a revelou não ganhou um centavo com a transferência dela para o Corinthians no início deste ano. O mesmo ocorreu com a ida da atacante Nycole Raysla, 19, para o Benfica, de Portugal, neste mês. “O futebol feminino ainda não ganha dinheiro por revelar talentos, muitas atletas não têm vínculo profissional. Mas essa transição está começando e vai ser importante para o mercado”, almeja Nayeri. A presidente pretende mudar a conduta do Minas a partir de 2020, especialmente com as atletas da base.

Em 2018, o time passou a contar com a Casa do Atleta. Uma residência alugada em Taguatinga para as jogadoras que vieram de outros estados ou para aquelas que moram mais distante. As irmãs Nayeri e Nayara custeiam aluguel, alimentação e demais necessidades do local. Outra demanda é oferecer academia a todas as atletas em 2020. Hoje, o time treina no Minas Tênis Clube.

“Com todas essas dificuldades, o Minas conseguiu ser campeão do Brasilierão A2, que teve Vitória (BA) e Inter. Neste ano, nos mantivemos na A1 como o único representante do Centro-Oeste e a tendência é melhorar, se tivermos investimento”, acredita Nayeri.