A Prefeitura do Rio tenta isolar o Flamengo como único culpado pelo incêndio que matou 10 adolescentes na última sexta-feira (8/2). Apesar disso, há relações perigosas do governo local com o clube. Uma delas diz respeito aos Jogos Olímpicos. Ameaçado de interdição desde 2004 por causa de irregularidades na documentação, o Ninho do Urubu conquistou, há três anos, uma curiosa vitória nos bastidores: o cenário da tragédia teve o aval do órgão, na gestão de Eduardo Paes e dos comitês Organizador Rio-2016 e Olímpico Internacional para funcionar como um dos quatro centros de treinamento cariocas disponíveis para os torneios masculino e feminino de futebol. À época, a estrutura do Ninho do Urubu era precária. Estava em construção. O time treinava em meio às obras.
A Prefeitura do Rio ameaçou interditar o local várias vezes desde 2004, mas pode ter feito vista grossa para um acerto celebrado em abril de 2016. O Flamengo cedeu o espaço ao maior evento esportivo do mundo. Em contrapartida, o COL Rio-2016 assumiu o compromisso financeiro de reformar dois campos de treino, colocar nova irrigação no solo e finalizar a obra do vestiário dos módulos 16 e 17, que atenderiam ao elenco profissional. Vice-presidente de patrimônio do Flamengo à época, Alexandre Wrobel comemorou: “Fechamos com o Comitê Organizador das Olimpíadas, que vai transformar dois dos campos do Ninho em padrão Fifa. Como não se trata de um contrato de exclusividade, o Flamengo seguirá treinando no CT durante esse período”. O acordo permitiu ao Flamengo entrar no catálogo dos quatro centros de treinamento da modalidade futebol na cidade-sede dos Jogos Olímpicos. As outras foram o Centro de Futebol Zico (CFZ), a escola de educação física da Marinha (Cefan) e o campo anexo do estádio Nilton Santos. Rio, Brasília, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Manaus receberam partidas do torneio.
Das 28 seleções que participaram dos torneios masculino e feminino, nove passaram pelo Ninho do Urubu. Os jogadores de Portugal, Argentina, Argélia, Honduras e do Brasil usaram o Ninho do Urubu. As atletas da Suécia, África do Sul, China e da Seleção, também. O motivo é simples: era um dos CTs mais próximos da Vila Olímpica e da região de competições. No pronunciamento de sábado à imprensa, o CEO do Flamengo, Reinaldo Belotti, usou os Jogos Olímpicos em defesa da estrutura que pegou fogo. “Estamos falando de alojamentos modulares implantados em 2011. O CT começou assim. Por esses alojamentos passaram vários times, vários jogadores, como Ronaldinho e Vagner Love. Foi utilizado pela Seleção olímpica do Brasil. Não é um ‘puxadinho’. É um alojamento”, argumentou.
Contradição
Há equívocos no discurso de Belotti. O Correio Braziliense entrou em contato com o técnico Osvaldo Alvarez, o Vadão, um dos responsáveis pela logística da Seleção Feminina em 2016. Ele deixou claro que Marta e companhia usaram apenas os gramados do Ninho do Urubu. “A gente só foi lá para treinar, direto para o campo. As instalações estavam sendo construídas. Não sabemos de nada disso aí. Jamais usamos. Nós só fomos lá para treinar, usamos o campo de jogo e, naquela oportunidade, as coisas estavam sendo construídas”, recorda o treinador.
Vadão fez questão de reforçar: “Pode até ser que alguma seleção tenha usado (as instalações), mas não a Seleção Feminina de futebol da CBF. Quero deixar bem claro isso. Jamais. A gente treinou no Ninho do Urubu. O Flamengo gentilmente cedeu o campo para a gente treinar. Agora, usar as instalações, nós não usamos. Tinha muita gente na Olimpíada e pode ser que alguém tenha usado, mas não a Seleção Feminina. Eu estava lá e falo: nós não usamos”, insistiu várias vezes.O procedimento do então técnico da Seleção Masculina, Rogério Micale, foi o mesmo. O time desembarcou no Rio a partir das semifinais para o confronto com Honduras, mas só foi ao Ninho do Urubu para treinar. Uma das atividades no Centro de Treinamento do Flamengo ocorreu na véspera da decisão da medalha de ouro contra a Alemanha.
Julio Olarticochea, técnica da Argentina, seguiu o discurso dos companheiros. “Acho que só treinamos uma vez e só estivemos em um campo. Não vimos muito do lugar”, confirmou o treinador.
Investimento
Em 2012, durante a gestão de Patrícia Amorim no Flamengo e de Eduardo Paes na Prefeitura do Rio, o político chegou a prometer ajuda de R$ 5 milhões ao Flamengo para investimentos na construção do Ninho do Urubu. O dinheiro jamais chegou aos cofres do clube por pelo menos dois motivos: várias trocas de farpas entre o clube a prefeitura, inclusive com publicações de notas oficiais cobrando a doação; e uma investigação do Ministério Público do Rio, que contestou o financiamento, pois o Flamengo não garantia retorno à prefeitura. Além disso, o Flamengo era o único beneficiado entre os quatro grandes clubes do Rio.
R$ 38 milhões
Valor investido na construção de dois prédios, profissional e base, do Ninho do Urubu