Campeão da Champions League e da Copa Intercontinental em 2001. Bi do Campeonato Alemão em 2000 e em 2001. Vencedor da Copa da Alemanha em 2000 e da Copa da Liga em 1999 e em 2000. A coleção de títulos com a camisa do Bayern de Munique justifica o status. Aos 48 anos, o paulista Paulo Sérgio Silvestre do Nascimento é um dos embaixadores da Bundesliga. O grupo seleto tem, entre outros, Lothar Matthäus. Em entrevista ao Correio, Paulo Sérgio fala sobre o sucesso do Campeonato Alemão e critica a inércia dos dirigentes do futebol brasileiro.
Segundo ele, o presidente da CBF e os dos clubes jamais foram até a Alemanha aprender com o sucesso dos atuais campeões mundiais. “Todos acham que sabem tudo, mas precisam aprender muito. Quem tem de ir é o presidente, a liderança dos clubes. O líder precisa ter conhecimento”, ataca.
Paulo Sérgio conta que a revolução nas divisões de base fez com que os clubes alemães prescindissem dos jogadores brasileiros. “O que antes eles vinham buscar aqui de matéria-prima, agora têm”, justifica. Com a experiência de quem foi tetracampeão com a Seleção Brasileira em 1994, Paulo Sérgio tira o chapéu para o trabalho de Tite, diz que Neymar ainda não atingiu a maturidade, defende a liberdade de cultos religiosos na concentração e usa o fracasso verde-amarelo em mundiais recentes como alerta para o grupo que irá à Rússia em 2018. “Chega de festinha, de gracinha. Copa do Mundo é coisa muito séria.”
Como surgiu essa missão de embaixador da Bundesliga?
Para você ter uma ideia, hoje, nós somos 10 lendas. Cada um representando um país. Temos ex-jogadores da África, do Japão, da China, da Coreia, do México... O trabalho da Bundesliga é divulgar o Campeonato Alemão nessas nações. Fazemos um tour pelos países.
Como funciona o trabalho?
A nossa intenção é mostrar a marca, mesmo. A Bundesliga tem muitos adeptos no Brasil. Ela sabe que tem torcedores aqui que vestem a camisa do Bayern de Munique, do Borussia Dortmund e de outras equipes. Mostramos também que a média de público do Alemão supera a de todas as outras ligas. Fica atrás apenas da NFL (liga nacional de futebol americano) e da Champions League.
A média de público da última Bundesliga foi de 41.516 pagantes...
Então, é algo impressionante. O Borussia Dortmund (79.653), por exemplo, supera o Manchester United (75.290). Em uma lista de 30, nós temos umas 10 equipes alemãs. Por incrível que pareça, oito equipes da Bundesliga estão na frente do Paris Saint-Germain (45.160). Na Alemanha, é casa cheia do primeiro ao último colocado na classificação.
O que justifica essa paixão do torcedor pelos estádios?
A mentalidade é de entretenimento, não é a mentalidade de uma guerra. Infelizmente, hoje, no Brasil, você não pode ir a um estádio porque você fica preocupado com segurança. O alemão não se preocupa com isso. Ele vai lá para encontrar outros amigos, outros parentes. Isso faz com que o futebol alemão se torne especial. Todo lugar tem, mas há um controle por parte dos policiais, há regras. No Brasil, o cara comete um erro e fica impune.
Na temporada de 2015/2016, os clubes geraram receita de 3,24 bilhões de euros.
É a questão de não fazer loucuras. Nos anos 1980 até 1990, o foco era o futebol italiano. Nós víamos essas loucuras de contratações. O futebol alemão nunca foi disso. Mesmo assim, teve muitos brasileiros. Na minha época, havia vários jogadores de Seleção. Eu gosto muito da questão de fazer o que é possível e o alemão pensa assim. É impressionante também o número de estrangeiros que tentam ir para a Alemanha por essa questão de emprego. A Bundesliga é um dos alvos.
A Bundesliga começa a lembrar o Brasileirão em demissões de técnicos. O que houve no Bayern?
O relacionamento do Carlo Ancelotti com os jogadores foi se desgastando. Isso (demissões) não acontecia, mas nós temos que entender que o futebol alemão abriu muito o mercado para estrangeiros. Hoje, há muitos estrangeiros no Bayern e uma responsabilidade muito maior do que a dos outros clubes. No último jogo do Ancelotti, ele deixou o Robben e o Ribéry no banco. Veio aquela derrota para o PSG daquele jeito. Optaram por trocar e trouxeram um técnico alemão (Jupp Heynckes), que conhece todos esses atletas e sabe lidar com eles.
Você jogou na Alemanha nos anos 1990. O que mudou de lá para cá?
Na minha época eram três estrangeiros por clube. Quando cheguei ao Bayer Leverkusen tinha eu brasileiro, um checo e um romeno. Os demais eram todos alemães. Em 1993, havia quatro jogadores brasileiros na Bundesliga. Eu, Jorginho, Mazinho e o Franklin. Por isso, também, não havia muito esse problema de trocas de treinador. Hoje, há muitos estrangeiros.
A Alemanha é favorita ao penta na Rússia. O que explica essa hegemonia?
Gestão organizada. A seleção que foi para a final de 2002 contra o Brasil era muito desacreditada. Ninguém esperava que chegasse à final. Ali começou um processo de trabalhar nas categorias de base, fortalecê-las e parar de comprar jogadores de fora. O Bayern de Munique sempre fez isso. Chegou um período em que passou a mudar o foco e dar oportunidade aos pratas da casa. Aí, surgiram nomes como Lahm, Schweinsteiger, Podolski e vários outros jogadores alemães com uma técnica bem mais apurada. A missão do Klinsmann (na Copa da Alemanha, em 2006) foi fortalecer esses jovens, o que não acontecia antes. O foco da seleção era sempre nos mais experientes. Achavam que os novatos não dariam conta do recado.
O Brasil pode atingir esse patamar?
Nós estamos muito longe disso. Para você ter uma ideia, o campus do Bayern de Munique para as divisões de base custou 54 milhões de euros. Hoje, aqui no Brasil, nós nos preocupamos em centros de treinamento para o time profissional. A base vem sempre em segundo plano e a gente acaba perdendo novos talentos para o futebol europeu.
O número de brasileiros na Bundesliga vem caindo. Por quê?
O que antes eles vinham buscar aqui de matéria-prima, agora tem lá também. É possível encontrar isso na Alemanha e em países vizinhos. É mais fácil contratar um europeu que está ali perto, vai se adaptar muito mais rápido do que ir a um país sul-americano e ter problema com um garoto por causa de adaptação. É muito mais barato.
Você ainda acredita que o Brasileirão será um dia uma liga nos moldes europeus?
Não consigo ver não. Somos fracos em organização. Não sei se a formação de uma liga ajudaria o futebol brasileiro. Criou-se uma liga sem importância nenhuma. Inventaram a Primeira Liga e os próprios clubes fundadores não usam o time principal. Reclamam que a temporada tem muitos jogos. Então, por que entraram? Não entendo.
Alguém da CBF ou algum clube brasileiro já procurou a Bundesliga para um intercâmbio?
Não. Os brasileiros nunca foram lá para conhecer e entender o sucesso do futebol alemão. Todos acham que sabem tudo, mas, ao mesmo tempo, precisam aprender muito. Não falo nem de diretor de marketing. Quem tem de ir é o presidente, a liderança dos clubes. Eles é que vão dar as diretrizes. Jogar a responsabilidade para o funcionário é fácil. O líder precisa ter conhecimento. Os alemães viajaram para o Brasil em busca de informações, para aprender, contratar. Pecamos nesse sentido. O futebol do nosso país, hoje, pra mim, é muito fraco em relação ao futebol europeu.
O que espera da Seleção na Copa de 2018?
Eu fico muito feliz de a Seleção ter tomado esse rumo com o Tite. Estávamos totalmente desacreditados e nos classificamos muito bem. Mas eu tenho uma preocupação. Lembro da Seleção de 2006. Aquele Brasil que era favorito, que tinha jogadores de renome, e fizemos uma das nossas piores campanhas. Foi um desperdício. Fui ao jogo contra a Croácia (1 x 0, gol de Kaká), e vi uma partida muito feia. Esse é o meu medo, de os jogadores não se conscientizarem da responsabilidade que é uma preparação. É tiro curto, rápido, se não estiver pronto naquele mês, fica para trás.
Você teme um novo oba-oba?
Não é hora de pensar em levar família, amigos, o momento é de formar a Seleção. Em 1994, nós nos focamos, fechamos o grupo, deixamos até familiares de lado em prol do objetivo de ganhar a Copa do Mundo. Chega de festinha, de gracinha. Copa do Mundo é coisa muito séria.
Você é evangélico. Defende a liberdade de culto na concentração?
Não podemos confundir as coisas. Temos que respeitar a religião de todo mundo. Nâo podemos criar uma guerra religiosa, como existe hoje no mundo. Temos que respeitar uns aos outros. Cada um segue a sua fé. Existem certas coisas que não tem nada a ver com o contexto. Em 1994, nós tínhamos as nossas reuniões no momento em que não havia jogo nem treino, nas horas de folga. Isso não atrapalha ninguém. Se você está num grupo que compartilha da mesma fé, isso não pode incomodar o próximo.
O que pensa sobre o Neymar?
Nós precisamos entender que um jogador não atinge o amadurecimento com 18, 20, 23, 24 anos. Na minha época era com 28, 29 anos. Em 1994, nós tínhamos vários jogadores experientes. Dunga, Jorginho, Ricardo Rocha, Taffarel, Bebeto, Romário, Branco, Leonardo, mesclados com jovens. Viola, Cafu, Ronaldo... Havia uma mescla.
Está faltando um líder em campo?
Jogam uma responsabilidade em cima do Neymar achando que ele é o mais experiente. Não é. Ele tem muita coisa ainda para aprender. Temos que colocar o Neymar na posição em que ele renda para o grupo. Ainda bem que esqueceram essa questão da faixa de capitão. Neymar é um jogador que passa por uma fase de amadurecimento.
Você é um dos heróis do primeiro título brasileiro do Corinthians. O que lembra de 1990?
Todo mundo gozava o Corinthians porque não tinha um título brasileiro. Ali, deu start para os novos ciclos e para que o clube se tornasse maior do que já era.
E a maior recordação do futebol alemão?
A conquista da Champions League. Quando eu cheguei lá, mencionei a alguns jornalistas que eu queria ser campeão da Champions e eles davam risada porque o Bayer Leverkusen jamais ganhou sequer o Campeonato Alemão. Quando ganhei em 2001, pelo Bayern de Munique, foi o meu maior momento.
Você foi alvo de injúria racial na carreira?
Os problemas que eu enfrentava no Brasil havia na Alemanha. A gente olha muito para a Europa e esquece que, no nosso país, a gente tem esse tipo de problema. Na Itália, quando eu e o Cafu nos apresentamos à Roma, estava escrito: “Fora, Cafu, fora, Paulo Sérgio, a Roma é clube de brancos”. Ficamos assustados. Depois, os torcedores da Roma vieram conversar com a gente e disseram que aquilo era coisa de torcedores da Lazio. Foram anos fantásticos na Roma.