Praia Grande (SP) — A vida do atual principal jogador da Seleção Brasileira é marcada, sem dúvidas, pelas conquistas dentro de campo. Aos 25 anos, Neymar já foi vencedor e artilheiro da Liga dos Campeões pelo Barcelona, medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos Rio-2016 e dono do gol mais bonito de 2011. Fora dos campos, o craque é lembrado pela vida pessoal movimentada e pelos cortes de cabelo que chamam a atenção, mas as ações sociais têm ganhado espaço na agenda.
Há dois anos e meio, o craque empresta o nome ao Instituto Neymar Jr. — “o melhor gol” que ele fez na vida, numa avaliação própria. O empreendimento rende bons frutos, e não só à comunidade. Ligar o nome a uma entidade social é um dos modelos mais tradicionais para o aperfeiçoamento da imagem institucional de um ídolo. “É uma ação que auxilia na construção de uma imagem que, depois, o ajudará de diversas formas na carreira”, indica Ary José Rocco, pesquisador em marketing e comunicação no esporte na Universidade de São Paulo (USP).
Neymar segue os passos de muitos colegas de profissão que usam seus nomes para ajudar diversas causas sociais. Geralmente, o envolvimento de craques do futebol com projetos sociais acontece próximo ou depois de pendurarem as chuteiras. Cafu, Raí, Leonardo, Edmílson e Jorginho são alguns dos exemplos brasileiros.
O projeto tocado por Leonardo e Raí, a Fundação Gol de Letra, é a mais antiga: no ano que vem, comemorará duas décadas. Na contramão dos ex-jogadores da Seleção Brasileira, Neymar anunciou a criação do instituto em janeiro de 2013, ainda longe da aposentadoria e perto do auge. Meses depois, ele seria anunciado pelo Barcelona.
Raio de ação
Desde a inauguração, em dezembro de 2014, o projeto do craque beneficiou cerca de 3.600 crianças. Indiretamente, o número é ainda maior, na avaliação do coordenador-geral, Joel Moraes, ex-nadador da Seleção Brasileira. “Nossa conta é de que cada criança atinge três pessoas da família dela. Logo, indiretamente, 10 mil pessoas são beneficiadas”, avalia. Para Neymar, ajudar as famílias foi a motivação única para o surgimento do projeto. “Eu não criei o instituto por imagem ou para aparecer. Criei para ajudar as pessoas que necessitavam aqui, neste bairro”, disse, ao Correio, durante a disputa do Neymar Jr’s Five, um campeonato mundial de futebol de rua para jovens de 16 a 25 anos.
É fato, porém, que uma ação como essa traz diversos atributos positivos ao valor mercadológico da marca Neymar Jr. “As empresas procuram atletas que estão envolvidos com causas sociais e tenham boa imagem. Logo, isso atrai publicidade, a venda de mais produtos e a valorização do contrato do atleta”, enumera Rocco. Além disso, o professor avalia que é fundamental o desejo do jogador de devolver à sociedade parte daquilo que conquistou com o futebol. “Há esse desejo em retribuir a comunidade. Para alguns, é mais importante do que para outros, mas é inegável que exista.”
O coordenador do instituto acredita que o nome do jogador contribui para a continuidade do projeto e que a marca Neymar Jr. também se beneficiou da ação social. “As duas coisas não se misturam, mas uma ajuda a melhorar a outra”, pondera.
Infância revivida
O local onde funciona o projeto não foi escolhido ao acaso. Neymar viveu parte da infância no mesmo bairro, que hoje é sede do instituto. “Eu cresci aqui e sentia falta disso. De ter algo melhor, de estudar e aprender mais coisas”, relembra. Localizado no Jardim Glória, em Praia Grande, litoral de São Paulo, o espaço com 8.400m² foi cedido pela prefeitura da cidade e hoje reúne campo de futebol, quadra poliesportiva, piscina e uma área educacional com salas de aula em quatro andares. No fim de semana passado, o local recebeu a etapa final do Neymar Jr’s Five, campeonato mundial de futebol de rua organizado pelo instituto.
O astro do Barcelona esteve presente na final do torneio, jogou uma partida com os campeões e aproveitou a oportunidade para revisitar o local. Segundo o coordenador-geral do local, Joel Moraes, esse é um dos contatos que o craque mantém com o projeto. “O Neymar não consegue estar tão presente, mas, quando está no Brasil, vem ao instituto e passa ao menos um dia aqui”, conta. As vindas ocorrem por volta de três vezes por ano.
As decisões do instituto não passam pela aprovação do craque. Joel revela que a mente do projeto é o pai do jogador, vice-presidente do instituto e responsável por gerenciar a carreira do filho. “O Neymar Jr. é responsável por me dar toda a confiança para realizar minhas ideias. Ele confia muito na equipe que temos”, diz o coordenador, professor do pai do atacante na faculdade de educação física, em 2008.
O carisma emprestado pelo jogador ajuda o instituto. Hoje, Neymar não precisa mais tirar dinheiro do bolso para manter a estrutura. A verba vem de patrocinadores e da Lei de Incentivo ao Esporte. Segundo o coordenador, cada criança custa ao projeto R$ 9 mil por ano. Para manter o local, são investidos US$ 2,5 milhões por ano.
Causa social
Das 11 marcas que patrocinam Neymar, seis também estão no instituto. Outras cinco são exclusivas do projeto social — caso de uma montadora e de um banco, por exemplo. A fama do atleta ajuda a atrair aporte financeiro para um “porto seguro”. “Quando se patrocina somente o atleta, você está sujeito aos altos e baixos da carreira esportiva. Já a causa social sempre vai ser positiva, independentemente do momento esportivo”, observa Ary Rocco, pesquisador de marketing e comunicação esportiva na Universidade de São Paulo (USP).
O fato de Neymar ter se dedicado a uma causa social antes de se aposentar é outro ponto positivo tanto para o atacante quanto para o instituto. “Alguns projetos sociais que nascem depois da aposentadoria de atletas ficam prejudicados porque a imagem do ex-jogador já não oferece tanto aos patrocinadores como a de um atleta em atividade”, explica Maria Fernanda Valentim, professora da Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora de marketing, planejamento e branding.
O papel social do jogador de futebol no Brasil reflete a maneira de como o esporte é visto no país. “Pela expressão que tem dentro do país, o esporte é visto como um instrumento para melhorar a vida das famílias, principalmente pelas classes mais baixas”, diz Rocco. Para Valentim, a figura do jogador é vista como uma personificação do sucesso. “Por meio disso, outros jovens se sentem motivados e veem que também são capazes de mudar de vida”, acrescenta.